9 de nov. de 2010

Experimentar novas e múltiplas maneiras de encarar a sociedade e enfrentar os dilemas da civilização.

Colaboração, diversão e arte

Na conferência TEDxAmazônia, em meio a projetos inovadores em design e sustentabilidade, experiências mostram que é possível até mudar o mundo de maneira rápida, divertida e sem pôr a mão no bolso.

TEDx Amazonia

Esqueça fórmulas. Uma conferência ao estilo TED transmite experiências e inspira projetos, mas não impõe um formato ou um modelo para se tentar mudar o mundo. Ao compartilhar ideias e conceitos vindos de diferentes partes do planeta e de pessoas de perfis distintos, a proposta é levar a plateia a experimentar novas e múltiplas maneiras de encarar a sociedade e enfrentar os dilemas da civilização. Entre eles, claro, o impacto das mudanças climáticas. Com o TEDxAmazônia não podia ser diferente.

Realizado no final de semana em que São Paulo atraiu a atenção do público internacional (dias 6 e 7) – afinal, aconteceu a etapa brasileira da Fórmula 1, um evento esportivo bastante prestigiado -, o encontro amazônico reuniu cerca de 550 homens e mulheres, dos mais variados campos de atuação, no hotel Amazon Jungle Palace, uma instalação flutuante localizada a quase duas horas de barco de Manaus.

O tema “Qualidade de vida para todas as espécies” norteou os blocos organizados segundo propostas como “viver melhor”, “colaborar melhor” e “produzir melhor”. Ao todo foram 51 palestras , além de uma apresentação da Orquestra Barroca do Amazonas.  A abertura coube ao brasileiro Antônio Nóbrega, que abordou a dança, dividindo-a em três tipos de manifestações culturais (batuques, cortejos e espetáculos populares), e colocou o público para girar em uma grande ciranda. E o encerramento ficou com o norte-americano Gordon Hampton, um “caçador de sons”, que discorreu sobre a importância do escutar, principalmente captar os sons da natureza. O TEDxAM acabou sob silêncio, a pedido do palestrante. Um silêncio que perdurou por minutos como se ecoasse pela mente de cada um dos participantes.

Esses dois momentos extremos – o da animada explosão de energia e o da quietude para refletir e perceber – se somaram a outros que marcaram o evento. Alguns temas tiveram pontos em comum, caso da importância da diversão (para fazer algo de modo eficaz é preciso ter alegria e se divertir com a atividade) e do espírito de comunidade (o que remete aos princípios da colaboração e do compartilhamento, já tão falados nos meios publicitários).

Das apresentações que discutiram o poder da diversão, um dos destaques foi o arquiteto e urbanista Edgard Gouveia Jr, presidente do Instituto Elo, de Santos (SP), e fundador do programa Guerreiros Sem Armas, que revitaliza espaços públicos por meio de trabalhos comunitários. “Mudar o mundo pode ser rápido, divertido e não precisa pôr a mão no bolso”, disse. Por trás disso, está a ideia de que as pessoas dispostas a fazer algo podem usar sua rede de amigos para colocar em ação um projeto que, sem esse apoio, poderia estar fadado a nunca sair do papel.

Gouveia mostrou que isso pode dar certo ao apresentar o resultado de uma experiência desenvolvida para ajudar os desabrigados de Santa Catarina atingidos pelas enchentes do ano passado. Foi criado um jogo, o Oásis Santa Catarina, que se espalhou pela internet. Dessa forma, foram atraídos jovens de diferentes regiões do País, que se agruparam em três times. Eles recebiam tarefas semanais, tudo para poder atender aos desejos dos moradores das cidades afetadas. Ao final, 12 comunidades foram beneficiadas e 43 equipamentos para o espaço público (como playground) foram criados. E isso em cinco dias. “Brincando todo mundo é um empreendedor. A escala de desafio global que temos exige que todos batam um bolão”, completou.

Participação

No bloco “Colaborar melhor”, o norte-americano Aaron Kablin, um artista especializado em visualização de dados, ressaltou que o mundo conectado dá impulso a centenas de decisões e que os recursos tecnológicos ampliam as possibilidades de colaboração. Ele apresentou alguns trabalhos que fez com participação do público. Um deles, o Johnny Cash Project, em que as pessoas eram estimulados a criar desenhos como um tributo ao cantor e com base na música “Ain’t no grave”, aplicados depois em vídeo.

Outro trabalho famoso foi a criação do vídeo para “House of Cards”, da banda Radiohead. Kablin utilizou lasers e sensores para escanear os músicos. Os códigos foram disponibilizados numa ferramenta do Google. A empresa contratou o artista para trabalhar no Google Creative Lab. Lá, fez o projeto The Wilderness Downtown, para o grupo Arcade Fire, utilizando HTML 5 em um processo interativo no qual internautas faziam referências a endereços da infância.

Design thinking

Entre a arte e o design, um dos palestrantes que arrancou aplausos dos participantes foi Paul Bennett, sócio e CCO da Ideo, consultoria de design e inovação, que já atuou para Havaianas. Com bom humor, ele abriu sua apresentação dizendo que tem a resposta para tudo. Depois, mais sério, Bennett apontou que o rio Amazonas pode ser um professor para o design thinking.

"O Amazonas tem praticado design thinking há muito tempo. A natureza é um poderoso desenhador de sistemas", comentou. Bennett estabeleceu cinco princípios de design com base no que depreendeu do rio, seu curso e dos seres interligados pela ação de suas águas.

São eles: as profundezas ocultas são silenciosas (“Quanto menos eu falo, mais eu aprendo”, afirmou Bennett, dando a entender que é preciso ouvir bastante antes de criar um projeto), a coexistência respeitosa engendra a sobrevivência (a Ideo criou a Open Ideo para que outras pessoas fora da empresa possam contribuir com ideias), o pequeno multiplicado por muitos fica grande (um exemplo citado de projeto desenhado nessa linha foi o Banco Grameen, de microcrédito, que impulsionou negócios na Índia tocados por gente simples), o afluente leva ao oceano (nesse ponto Bennett se referiu ao design de movimentos e iniciativas), e a natureza é circular (na natureza, os seres aprendem, se adaptam e devolvem ao meio os benefícios que obtiveram). “O design é como o Amazonas. Você tem de olhar para a profundeza. Pode pensar pequeno e crescer. Você estabelece uma relação de interdependência. Você precisa do outro e tem de devolver o que tomou”, resumiu.

O erro da humanidade

Um dos propósitos do TEDxAmazônia foi debater a sustentabilidade. Dito assim, soa simples demais. Não se tratava somente de incentivar as pessoas a se preocupar mais com o tema e a fazer algo. Os palestrantes dividiram com o público resultados de projetos, suas visões de mundo e reanalisaram conceitos. Foi o que fez o mexicano Enrique Leff, economista da ONU que foi um dos pensadores por trás da teoria chamada eco-marxismo. De imediato, ele trouxe a má notícia: “a humanidade errou o caminho de construção da civilização porque esqueceu da natureza”.

Para ele, a crise ambiental não é somente passageira. “Ela é uma crise civilizatória”. Mencionando o filósofo alemão Martin Heidegger, Leff argumentou que desenvolvemos uma civilização do “ser convertido em coisas”. O economista afirmou que dissociamos a cultura da natureza, assim como dissociamos os sentimentos da razão.  “Temos um mundo objetivado e o que mais se globalizou foi a lei do mercado. A natureza foi transformada em recurso natural e nós nos esquecemos que ela mantém a vida. Precisamos construir uma nova racionalidade, na qual possamos viver a razão e a paixão.”

Como sair disso? Leff sustentou que uma solução é a sociedade aprender a pensar na natureza como pensam os indígenas e os camponeses. “Eles sabem viver em seu território. Temos de pensar em produtividade ecológica dentro dos territórios. E não se trata somente de se estabelecer um novo paradigma de produção. Necessitamos de uma ética ambiental. Precisamos acabar com o individualismo. Temos de romper com o pensamento de que este é um mundo unitário. Importante é aprender a estabelecer diálogos de saberes entre seres culturalmente diferenciados. Este mundo, para ser sustentável, tem de saber conviver com a diversidade”.

Lena Castellón | 08/11/2010 | 17h23

A jornalista viajou a Manaus para acompanhar o TEDxAmazônia.

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